Introdução
Este trabalho analisa a prática da construção do projeto pedagógico do curso de Pedagogia, sendo parte do projeto de pesquisa Políticas Públicas de Educação: uma análise interdisciplinar das instituições de ensino superior que investiga a construção de projetos pedagógicos e as práticas gestionárias institucionais, pautadas nas exigências das políticas públicas de educação. No projeto de pesquisa, duas questões se impõem: 1. O que desejamos que os alunos aprendam/saibam? 2. O que esperamos que eles sejam/em que se transformem? Para a discussão atual, uma terceira questão é necessária: 3. Como atender a demanda de educação inclusiva posta pelas políticas públicas de educação e pelas expectativas dos que necessitam de uma escola que os acolha? Na gestão acadêmica, entre outras responsabilidades, destaca-se a exigência de construir, desconstruir e rever as propostas curriculares dos cursos de graduação – a licenciatura – locus da formação de professores.
Com base no pressuposto de que há urgência no aprimoramento da formação do professor-pesquisador, visando à sensibilização e à motivação para a prática inclusiva proposta nas políticas de educação especial – que inclui os alunos nas escolas regulares sem verificar se elas, seus professores e dirigentes estão preparados para tanto –, tornar-se professor-pesquisador implica comprometimento – pessoal e coletivo – da escola, constante atenção e questionamento de sua prática, para melhor atendimento de discentes, pais e comunidade.
Essa quase dupla formação – professor e pesquisador – tem se mostrado um desafio, nem sempre respondido satisfatoriamente, quer pela precária formação inicial propiciada, quer pelas condições subumanas de trabalho dos professores da educação básica que impede a prática da pesquisa e da reflexão.
Assim, é preciso considerar, nas propostas de formação de professores para uma educação inclusiva, “os aspectos da subjetividade docente que se refletem, por exemplo, nas representações – muitas vezes inconscientemente rotuladoras e preconceituosas – que os docentes elaboram, em relação às diversidades” (GLAT, OLIVEIRA, 2003, p.12).
A expectativa (ou desconhecimento) da sociedade é que os cursos de formação de professores alcancem as escolas de educação básica e as transformem em “espaços inclusivos”, com condições de acolher seus filhos com necessidades específicas e especiais.
Conforme a Declaração de Guatemala (2001),
[...] o acesso igualitário a todos os espaços da vida é um pré-requisito para os direitos humanos universais e liberdades fundamentais das pessoas. O esforço rumo a uma sociedade inclusiva para todos é a essência do desenvolvimento social sustentável.
Nessa linha, a partir das novas Diretrizes Curriculares para o curso de Pedagogia, propõe-se refletir sobre as políticas públicas de educação como referência para a construção do projeto pedagógico do curso de Pedagogia: formando professores para uma educação inclusiva, analisando como se dá, na prática, a construção de um projeto pedagógico de curso privilegiando a caracterização legal e a construção da proposta pedagógica.
Todos os alunos – sobretudo os que têm deficiências de aprendizagem na educação básica – devem ser vistos como especiais, com direito a professores qualificados. Cabe às instituições formadoras assegurar uma proposta curricular que possibilite condições e experiências teórico-práticas para uma formação condizente com as atuais demandas escolares. E mais, o projeto pedagógico proposto deve favorecer a atuação dos formadores de professores que, como se espera, se tornem referência e inspiração para os futuros docentes da educação básica.
Caracterização Legal
A Constituição de 1988, no artigo 208, inciso III, atribui ao Estado “o atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino”. A Lei de Diretrizes e Bases LDB (Lei nº 9.394/96), Título III – Do Direito à Educação e do Dever de Educar, no artigo 4º, dispõe que “o dever do Estado com educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de: [...] III – atendimento educacional especializado gratuito aos educandos com necessidades especiais, preferencialmente na rede regular de ensino”.
Na mesma linha, a Declaração de Salamanca (1994) reafirma o compromisso de Educação para Todos:
Reconhecendo a necessidade e urgência do providenciamento de educação para as crianças, jovens e adultos com necessidades educacionais especiais dentro do sistema regular de ensino e reendossamos a Estrutura de Ação em Educação Especial, em que, pelo espírito de cujas provisões e recomendações, governo e organizações sejam guiados (...).
A Resolução nº 1, de 18 de fevereiro de 2002 do Conselho Pleno do Conselho Nacional de Educação (CP/CNE) que instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação de professores da educação básica, em nível superior, curso de licenciatura, graduação plena, diz no “artigo 2º - A organização curricular de cada instituição observará, entre as quais o preparo para: I - o ensino visando à aprendizagem do aluno; II - o acolhimento e o trato da diversidade”.
O artigo 3º chama atenção para a coerência – entre a “formação oferecida e a prática esperada” – apontando como metodologia “a simetria invertida, onde o preparo do professor, por ocorrer em lugar similar àquele em que vai atuar, demanda consistência entre o que faz na formação e o que dele se espera” (item “a”).
A mesma Resolução, ainda em seu artigo 3º, item III, aponta a necessidade de ter “a pesquisa, com foco no processo de ensino e de aprendizagem, uma vez que ensinar requer, tanto dispor de conhecimentos e mobilizá-los para a ação, como compreender o processo de construção do conhecimento”, e destaca “I - a competência como concepção nuclear na orientação do curso”.
Apesar da aparente modernidade do texto legal, apontamos que a formação em pesquisa nos cursos de graduação carece de uma melhor explicitação quanto a seus limites e possibilidades e, quanto às competências, ainda não se tem clareza do que são, de quais são e de como assegurá-las. Nas discussões acerca das competências, como no caso da Resolução nº 1/2002, estas são confundidas com conteúdo.
Nos cursos de formação de professores, observa-se, muitas vezes, falta de comprometimento com as ações cotidianas, o que inviabiliza o relacionamento interpessoal de alunos, formadores e administradores institucionais. Quais são as atitudes adequadas para ser professor, aluno, diretor, coordenador, cidadão? Podem ser entendidas como competências?
É possível ensiná-las? Cabe à educação superior essa formação?
Se concordarmos com Teixeira (2000, p.42), que afirma “[...] é essa finalidade da escola... ajudar nossos jovens, em um meio social liberal, a resolver os seus problemas morais e humanos”, somos então incitados a pensar a educação superior como uma das instituições responsáveis para formação que habilite os futuros professores a atuarem em uma escola inclusiva.
Mas ainda temos a questão de como e quando aprender atitudes éticas, de responsabilidade e convivência social, as chamadas competências procedimentais? Encontramos em Dewey (1952, p. 192) que “[...] a experiência é uma ação activo-passiva; não é primeiramente cognitiva. Mas a medida do valor da experiência reside na percepção das relações ou continuidades a que nos conduz”.
Um obstáculo reconhecido nos cursos de formação de professores são as múltiplas atividades discursivas e expositivas impeditivas de os alunos experimentarem situações concretas capazes de provocar a reflexão da prática docente e sua relação com a teoria apreendida, pois, como afirma Teixeira (2000, p. 40):
A reorganização [nesse caso, das propostas de formação de professores] importa em nada menos do que trazer a vida para a escola. A escola deve vir a ser o lugar aonde a criança venha a viver plena e integralmente. Só vivendo, a criança poderá ganhar os hábitos morais e sociais de que precisa, para ter uma vida feliz e integrada, em um meio dinâmico e flexível tal qual o de hoje.
A Resolução CNE/CP nº 1/2002, ao tratar do projeto pedagógico, afirma no art. 6º: “As competências deverão ser contextualizadas e complementadas pelas competências específicas próprias de cada etapa e modalidade da educação básica e de cada área do conhecimento a ser contemplada na formação [...]”. E no parágrafo 3º inciso II, do artigo citado “[...] Conhecimentos sobre crianças, adolescentes, jovens e adultos, aí incluídas as especificidades dos alunos com necessidades educacionais especiais e as das comunidades indígenas”. Assim, nenhum destaque é dado ao cuidado com a formação de professores para uma educação inclusiva, ou, mais claramente, não há menção na legislação que trate da formação de professores para uma preparação mais adequada e comprometida com os grandes desafios com os quais esses professores terão que lidar quando receberem em suas salas de aula, da educação básica, alunos com deficiências das mais variadas que exigem atendimentos específicos e diferenciados.
A Resolução CP/CNE nº 1, de 15 de maio de 2006 que estabelece as Diretrizes Curriculares para o curso de Pedagogia, visto como locus de formação para os futuros professores de educação infantil e ensino fundamental. As Diretrizes, ao tentar abarcar as preocupações sociais relevantes, ampliam o espaço de formação do futuro professor a fim de que “[...] tenha em mente questões da problemática concernente à Educação Inclusiva, além da sensibilização e da motivação para o trabalho que realmente efetive a inclusão” (GLAT, OLIVEIRA, 2003, p.12).
Ainda segundo as Diretrizes, artigo 5º, inciso X, o egresso deve: “[...] demonstrar consciência da diversidade, respeitando as diferenças de natureza ambiental-ecológica, étnico-racial, de gêneros, faixas geracionais, classes sociais, religiões, necessidades especiais, escolhas sexuais, entre outras”. Também nas diretrizes curriculares do curso de Pedagogia, as necessidades especiais são pontuadas, sem nenhum destaque, entre inúmeras outras questões, quer de ordem política, quer pedagógicas.
De acordo com o artigo 8º, inciso III, a integralização dos estudos também se dará:
nas atividades complementares envolvendo o planejamento e o desenvolvimento progressivo do Trabalho de Curso, atividades de monitoria, de iniciação científica e de extensão, diretamente orientadas por membro do corpo docente da instituição de educação superior decorrentes ou articuladas às disciplinas, áreas de conhecimentos, seminários, eventos científico-culturais, estudos curriculares, de modo a propiciar vivências em algumas modalidades e experiências, entre outras, e, opcionalmente, a educação de pessoas com necessidades especiais, a educação do campo, a educação indígena, a educação em remanescentes de quilombos, em organizações não-governamentais, escolares e não-escolares públicas e privadas.
Para Teixeira (2000, p. 41), a democracia “é, acima de tudo, o modo moral da vida do homem moderno, a sua ética social” e cabe à escola assegurar às crianças o sentido de “independência e direção, que lhe permita viver com outros com a máxima tolerância, sem, entretanto, perder a personalidade”. Também para o autor, se a escola não deve dar respostas prontas ao aluno, ela pode e deve “dar-lhe método e juízo, para lutar com os problemas que vai encontrar, e o sentido da responsabilidade social que lhe assiste na solução desses problemas” (idem, p. 42).
Outro aspecto legal que norteia a elaboração dos projetos pedagógicos para a formação de professores, a partir de 2007: todos os cursos incluirão a disciplina de Língua Brasileira de Sinais (Libras) em seus currículos, conforme disciplinado pelo Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005. Pode-se afirmar que é um bom exemplo de legislação que não deixa às instituições alternativas para o não cumprimento e, embora seja um avanço, não atende às especificidades das necessidades especiais.
Mas as instituições formadoras são, em sua maioria, muito atentas às imposições legais, sem que essa atenção se converta em compromisso social ou política no compromisso de uma formação adequada de professores. Além disso, os dirigentes institucionais conhecem pouco de políticas de inclusão, legislação e documentos nacionais e internacionais relacionados ao tema, ficando a cargo de professores comprometidos as ações desencadeadas nas licenciaturas em geral.
Em 03 de dezembro de 2008, o Conselho Estadual de Educação de São Paulo aprovou a Deliberação CEE nº 78/08, que fixa normas complementares para a formação dos profissionais docentes em cursos de licenciatura para a educação básica, oferecidos pelos estabelecimentos de ensino superior, vinculados ao sistema estadual, ressalvada a autonomia universitária.
O artigo 3º da deliberação estabelece um mínimo de 1.600 horas, com uma estrutura curricular que, organizada em 4 blocos, se ocupará dos conteúdos de finalidade específica de formação docente, que são:
I – Bloco 1 - estudos que complementem a formação obtida no ensino médio; II – Bloco 2 - Pedagógico e de Disciplinas de Apoio; III – Bloco 3 – Didático; IV – Bloco 4 – visando o aprimoramento cultural, com a finalidade de orientar as atividades de enriquecimento curricular, tais como: visitas a museus de arte e de ciências, teatros, jardins zoológicos, concertos, bibliotecas, cinemas, monumentos históricos e organização de rodas de leitura, entre outras.
Já em seu artigo 7º, propõe uma formação complementar para a “formação de profissionais docentes para a Educação Especial, visando à atuação em Pré-Escola e nos anos iniciais ou 1º ciclo do Ensino Fundamental” com uma carga horária mínima de 400 horas, que se somariam à carga prevista para a graduação – licenciaturas, que, no caso específico do curso de Pedagogia, seriam somadas às 3.200 horas indicadas na Resolução CNE/CP nº 1/02. Já no Parágrafo único do mesmo artigo, possibilita que:
A formação dos profissionais docentes para a Educação Especial, nos anos finais ou 2º ciclo do Ensino Fundamental e para o Ensino Médio, poderá ser feita pelo menos em nível de especialização, a ser objeto de regulamentação própria por este Conselho Estadual de Educação.
Apesar de um declarado compromisso com a educação especial, a legislação estadual é inócua para a grande maioria das instituições que oferecem cursos de graduação – licenciaturas – para a formação de professores, pois ampliar em 400 horas a carga horária dos cursos não se mostra operacionalmente possível. Resta a opção de oferecer, em nível de especialização, esta formação – o que não resolve a dificuldade que os professores recém-formados e em atuação nas redes de educação básica pública ou privada enfrentam, isto, começar as suas atividades sem uma formação inicial para lidar com as diferenças e as necessidades especiais com que se defrontam no dia a dia.
Elaboração do projeto pedagógico
Ao elaborar o projeto pedagógico de um curso de Pedagogia, algumas questões se colocam: Como construir o projeto de acordo com as Diretrizes? Como desenhar uma matriz curricular? A quem interessa o curso de Pedagogia? Qual é o mercado de trabalho para os egressos do curso? Qual é o valor final das anuidades? E o valor final da remuneração dos futuros professores? Quais são os docentes para o curso? Que laboratórios são necessários? Quais são as condições da biblioteca? Ainda é possível acreditar na importância da educação e na formação de professores? Qual é a política institucional?
Temos que reconhecer avanços importantes nesse campo. As instituições de ensino superior (IES) estão mais abertas e esclarecidas sobre as exigências legais e sobre suas responsabilidades sociais no que se refere à oferta e à qualidade dos cursos de graduação que oferecem e, consequentemente, se dedicam com mais seriedade à construção do projeto pedagógico.
A melhor notícia é que os professores dos cursos de graduação, especificamente os das licenciaturas, estão cada vez mais sensibilizados e comprometidos com a educação inclusiva, sendo que um número significativo de docentes já passou pelos programas de Pós-Graduação, em nível de Mestrado e Doutorado.
Especificamente na construção do projeto pedagógico, a expectativa maior do curso nascente é de que os egressos contribuirão efetivamente para a melhoria da educação básica, que se tornou quase um slogan, repetido sempre, principalmente quando os alunos reclamam do excesso de trabalho, pois acredita-se que, para formar professores especiais, é necessário ter uma formação diferenciada.
Definido o propósito, o passo seguinte é desenhar a matriz curricular, entendendo, conforme Silva (2003, p. 148), que “o currículo é uma construção social”, resultado de um processo histórico, consolidado em “formas curriculares” pelas disputas e pelos conflitos sociais que desvelam as relações de poder “espalhado por toda a rede social”.
Nessa perspectiva, a matriz curricular é uma representação esquemática do que o curso se propõe e, ao mesmo tempo, depende das negociações entre os diversos segmentos que transitam ou transitarão no espaço formativo. Currículo é, portanto, a prática explicitada, o mapa dos propósitos e dos objetivos da formação de professores.
Na elaboração da matriz curricular, novas exigências são continuamente postas por lei ou por composições internas ao curso e à instituição. O currículo ultrapassa em muito as diretrizes curriculares, representando o conjunto das ofertas de situações formativas: conteúdo, competências, atitudes, habilidades, vivências na instituição e fora dela. Aspecto importante é que o projeto contemple a sala de aula na qual o aluno atua ou atuará. Se a formação em nível superior não chegar à sala de aula da educação básica, provocando a constante busca pela qualidade de ensino, o currículo e, em consequência, toda a formação, será inútil e frustrante.
Hoje quase todas as IES dispõem de laboratórios, bibliotecas, espaços de convivência, recursos e equipamentos (umas mais, outras menos), que possibilitam atender as demandas curriculares. Já os cursos de licenciatura, incluída a Pedagogia, carecem de laboratórios específicos, como brinquedoteca, sala de criatividade e espaços para trabalhar música, educação artística, educação física e ciências.
A tecnologia possibilita às instituições oferecer Educação a Distância, cabendo a pedagogos e professores aproveitar ao máximo as tecnologias de informação e comunicação – TIC, softwares e outros recursos e equipamentos próprios.
Cabe indagar: A quem interessa o curso de Pedagogia? Será seu mercado de trabalho limitado às escolas de educação básica? Os dados indicam que o grande empregador do pedagogo são as escolas de educação básica, mesmo que as Diretrizes Curriculares ampliem consideravelmente a área de atuação do pedagogo, pelo menos no texto da norma. Amplia de tal modo que, ignorando a quase inexistência de Cursos Normais de nível médio, a Pedagogia continuará formando o professor para esse grau de ensino, como estabelece o artigo 2º:
As Diretrizes Curriculares para o curso de Pedagogia aplicam-se à formação inicial para o exercício da docência na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, nos cursos de Ensino Médio, na modalidade Normal, e em cursos de Educação Profissional na área de serviços e apoio escolar, bem como em outras áreas nas quais sejam previstos conhecimentos pedagógicos.
O artigo referido propõe a educação profissional como mais uma possibilidade de atuação do pedagogo, especificamente para as áreas de serviço e apoio escolar, e disciplina que poderá atuar, ainda, em “outras áreas nas quais sejam previstos conhecimentos pedagógicos”.
O artigo 4º reafirma a destinação do curso de Licenciatura em Pedagogia para a formação de professores e, no parágrafo único, do gestor: “As atividades docentes também compreendem participação na organização e gestão de sistemas e instituições de ensino [...]”.
O artigo 3º, parágrafo único, ao tratar do repertório e das habilidades do estudante, propõe, no inciso III, a qualificação do gestor:
Parágrafo único. Para a formação do licenciado em Pedagogia é central:
I - o conhecimento da escola como organização complexa que tem a função de promover a educação para e na cidadania;
II - a pesquisa, a análise e a aplicação dos resultados de investigações de interesse da área educacional;
III - a participação na gestão de processos educativos e na organização e funcionamento de sistemas e instituições de ensino.
O Artigo 8º, no inciso III, pontua as atividades complementares, opcionais, como a educação de pessoas com necessidades especiais e também “a educação do campo, a educação indígena, a educação em remanescentes de quilombos, em organizações não governamentais, escolares e não escolares públicas e privadas”, o que exige formar um professor capaz de articular diferentes atividades, funções, atribuições e especializações.
Art. 8º Nos termos do projeto pedagógico da instituição, a integralização de estudos será efetivada por meio de: [...] III - atividades complementares envolvendo o planejamento e o desenvolvimento progressivo do Trabalho de Curso, atividades de monitoria, de iniciação científica e de extensão, diretamente orientadas por membro do corpo docente da instituição de educação superior decorrentes ou articuladas às disciplinas, áreas de conhecimentos, seminários, eventos científico-culturais, estudos curriculares, de modo a propiciar vivências em algumas modalidades e experiências, entre outras, e opcionalmente, a educação de pessoas com necessidades especiais, a educação do campo, a educação indígena, a educação em remanescentes de quilombos, em organizações não-governamentais, escolares e não-escolares públicas e privadas.
As Diretrizes, quando disciplinam os estágios curriculares, ampliam, ainda mais, as possibilidades de atuação do pedagogo com “experiências de exercício profissional”, prioritariamente na Educação Infantil e no Ensino Fundamental, mas também: [...]
b) nas disciplinas pedagógicas dos cursos de Ensino Médio, na modalidade Normal;
c) na Educação Profissional na área de serviços e de apoio escolar;
d) na Educação de Jovens e Adultos;
e) na participação em atividades da gestão de processos educativos, no planejamento, implementação, coordenação, acompanhamento e avaliação de atividades e projetos educativos;
f) em reuniões de formação pedagógica (Artigo 8º, inciso IV).
Assim, parece que os legisladores acreditam firmemente nas alternativas de inserção do pedagogo na educação formal ou não formal. Os alunos do curso de Pedagogia, em sua maioria, já atuam na rede pública ou privada de educação infantil, principalmente na educação básica, o que impõe uma avaliação da relação custo-benefício. Mesmo com a ampliação das funções do pedagogo, sua remuneração está muito aquém do que recebem outros profissionais – o que não é justo, tampouco equânime.
Ocorre que a legislação e as políticas públicas não respondem a algumas questões: Quem forma os formadores? Como estamos formando os professores? Acredita-se na importância da educação?
Na tentativa de oferecer uma formação comprometida com a contemporaneidade, com o sujeito da pós-modernidade, com a interdisciplinaridade, com a transdiciplinaridade, com as novas tecnologias, deixamos de assegurar aos futuros professores da educação básica os conhecimentos que lhes dariam segurança para construírem práticas comprometidas e reflexivas.
Para não parecer excessivamente disciplinar, observa-se certo abandono das competências técnicas e dos conhecimentos indispensáveis para o professor construir sua prática reflexiva. Nesse cenário, a formação continuada impõe-se também para o formador de professores.
Nos cursos de formação de professores, chama atenção a ausência de alunos com necessidades especiais. Não há alunos com algum tipo de necessidade especial específica que exija das IES o cumprimento da lei também específica. Essa ausência empobrece os cursos, pois, na maioria das vezes, falamos a respeito, mas não com alunos que tenham necessidades específicas e especiais. A presença de alunos especiais poderia mostrar com maior clareza que todos são especiais e merecem uma formação cidadã. Ao mesmo tempo, reconhece-se que os alunos que buscam a formação superior trazem deficiências, às vezes profundas, em suas respectivas histórias de escolarização, deficiências essas que exigem dos formadores de professores a busca de alternativas para superar a fragmentação e a fragilidade nas aprendizagens dos alunos.
Nessa busca comprometida, o esforço para sair da disciplinaridade propõe uma perspectiva de construção do currículo, a partir de matérias, visando uma integração vertical e horizontal, em uma perspectiva interdisciplinar, com o objetivo de superar a fragmentária formação com que os alunos ingressam nos cursos de formação de professores. As matérias, por serem mais amplas, exigem revisão e replanejamento do que habitualmente é ministrado nas disciplinas, além da necessidade de assegurar que o conhecimento, resultado do esforço do homem, chegue aos alunos que já atuam – ou atuarão – na educação básica e infantil.
Assim, é preciso elaborar o plano da disciplina, o cronograma de trabalho e os procedimentos de avaliação da aprendizagem, o que pode ser feito coletivamente, para propiciar aos professores uma reflexão sobre seus objetivos. O importante é cobrar menos o que foi ensinado e mais o que foi aprendido.
As atividades acadêmicas curriculares complementares – AACC – são provocações constantes de inserção dos alunos em diferentes atividades educativas. Projetos, como educação e arte, educação e comunicação, jornadas de estudos, iniciação científica e visitas a museus e exposições, proporcionam momentos significativos para a apropriação da importância da atuação docente.
Para concluir
Não se pode acreditar, ingenuamente, que, se o currículo propuser uma formação interdisciplinar, consistente, inovadora, multicultural, ética, estética, política, competente e cidadã, e outros adjetivos que poderíamos acrescentar, estaria resolvida a educação especial.
A partir das políticas públicas de inclusão e de discussões em fóruns comprometidos com a educação inclusiva, entendemos que, para a formação ser especial, o currículo deve contemplar explicitamente espaço, tempo e docentes qualificados que preparem os alunos para uma educação inclusiva, com o objetivo de colocar em sala de aula e fora dela as experiências formativas indispensáveis para que a educação superior não continue cega e indiferente a diferenças e necessidades especiais e específicas. Assim, poderá contribuir para a ressignificação da formação de professores e o desenvolvimento de culturas, políticas e práticas de inclusão, concretizando a recomendação do Parecer CNE/CP nº 9/2001:
O planejamento dos cursos de formação deve prever situações didáticas em que os futuros professores coloquem em uso os conhecimentos que aprenderem, ao mesmo tempo em que possam mobilizar outros, de diferentes naturezas e oriundos de diferentes experiências, em diferentes tempos e espaços curriculares. (p.57)
Considerando o currículo como construção social, torna-se importante o planejamento das situações de aprendizagens que contribuam para alcançar os objetivos do projeto pedagógico. Da equipe de formadores espera-se comprometimento e compartilhamento para a definição de atividades, leituras, prática de pesquisa, vivências, experimentações e uma contínua avaliação da aprendizagem, que busque identificar as falhas no processo em tempo de corrigi-las, sempre visando assegurar uma formação especial, inclusiva e cidadã.
A ação conjunta dos professores de professores – a prática tem demonstrado – amplia as possibilidades de melhor conhecer os discentes, abrindo espaços de diálogo e levando a reconhecer que os alunos têm saberes e competências maiores do que sabemos sobre eles. Abrindo os ouvidos e os corações para escutar e sentir os alunos, a proposta de uma formação experienciada, vivida e prática se concretiza, para que os futuros professores possam atuar com a mesma atenção e cuidado com os quais foram formados.
No contexto da construção de um projeto pedagógico do curso de Pedagogia, são cotidianamente colocados alguns desafios aos professores formadores, que vale destacar:
1. Reconhecer o planejamento como um recurso para valorizar a ação docente.
2. Atribuir valor – em aberto – para as avaliações de aprendizagem.
3. Acolher o que os alunos sabem e suas competências.
4. Sair do lugar de “dar aula”.
5. Construir o coletivo – alunos, professores e comunidade que dialogam.
6. Incluir a ética nas ações cotidianas.
7. Preparar a escola, tornando-a um espaço inclusivo.
8. Ampliar a oferta de formação específica, na modalidade de educação continuada.
Um currículo dividido em matérias ou disciplinas, com grades curriculares ordenadas e hierarquizadas, conteúdos e conhecimentos selecionados, não leva a um conhecimento qualificado para os futuros professores, pois “todo conhecimento depende da significação” (SILVA, 2003, p. 149) que o sujeito ou grupo lhe atribui. O currículo tem papel formativo, pois trata do lugar da vivência pedagógica e indica o percurso considerado o melhor pelos seus propositores. É a carta de intenções que a Instituição formadora assume, uma imagem dos valores e compromissos dos formadores. É nessa imagem que podemos explicitar a opção pela formação multicultural e acolher as diferenças e as necessidades especiais de crianças, jovens e adultos para fazer nossa parte na formação de sujeitos e cidadãos responsáveis.
Respondendo as questões iniciais, pode-se reconhecer que, ao elaborar coletivamente o projeto pedagógico, devem estar sempre presentes e revistas as discussões que se referem ao que se deseja que os alunos aprendam/saibam.
Os objetivos – o que se espera que eles construam no processo formativo – deverão ser sempre comprometidos com a qualidade da educação escolar e a possibilidade de que cada novo professor entenda seu papel e se engaje nessa busca. Verifica-se hoje uma ausência de exigências das políticas públicas de educação para a formação de professores comprometidos com a educação inclusiva, como foi apontado na discussão das diretrizes que disciplinam as licenciaturas.
Os esforços existentes de mudanças partem da sociedade civil organizada, dos profissionais da educação comprometidos com os desafios que a chegada de alunos com as mais variadas necessidades nas escolas. Nessa direção, cabe a cada instituição de educação superior, ao propor a formação de professores, assegurar, na formação inicial, a formação para a educação inclusiva, mesmo admitindo que nessa etapa poderá, pelo menos, sensibilizar o futuro professor e prepará-lo para que se sinta capaz de buscar alternativas para efetivamente acolher e escolarizar todos os seus alunos.
Referências
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TEIXEIRA, Anísio. Pequena Introdução à filosofia da Educação: a escola progressiva ou a transformação da escola. Rio de Janeiro: DP&A, 2000.
[1] Doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; Mestra em Educação (História, Política, Sociedade), pela mesma universidade. Docente e pesquisadora do Programa de Mestrado em Educação da Universidade Cidade de São Paulo (Unicid) e Coordenadora do Curso de Pedagogia da Universidade Municipal de São Caetano do Sul/SP (USCS). Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.