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    Mais oito premissas sobre a Responsabilidade Social da educação superior no setor privado: rever o passado recente para trilhar o futuro

    Adolfo Ignacio Calderón[1]

    Sonia Regina Mendes dos Santos [2]

     

    Este artigo tem por objetivo abordar, entre os aspectos emblemáticos sobre a universidade e seus dilemas, alguns temas recorrentes que merecem ser rediscutidos. Elegemos o debate sobre a Responsabilidade Social da Educação Superior (RSES) e suas possibilidades para a reafirmação do papel das Instituições de Educação Superior (IES) nos dias atuais.

    Em 2008, a Revista Responsabilidade Social no 3, publicada pela Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES) como suporte teórico para o grande movimento nacional – como é a Campanha da Responsabilidade Social do Ensino Superior Particular –, trouxe o artigo do professor Adolfo Ignacio Calderón, um dos criadores da referida Campanha, intitulado “Doze Premissas para a construção de uma política institucional de Responsabilidade Social na IES” (CALDERÓN, 2008).

    Passaram-se mais de dez anos e é possível verificar que a temática ainda se encontra na agenda das políticas nacionais e nas discussões internacionais sobre a educação superior. As “Doze Premissas” foram produzidas em um período anterior à última Conferência Mundial sobre o Ensino Superior, realizada em 2009, bem como em um contexto no qual ainda não havia tanta ênfase em novos desafios impostos à universidade – como são a inovação tecnológica, a curricularização da extensão universitária, a transparência de informações, a ênfase em accountability por meio de indicadores que traduzam os benefícios para a sociedade das atividades universitárias e a emergente demanda por gestão de informações para subsidiar a elaboração de rankings acadêmicos nacionais e internacionais, os mesmos que acenam recentemente para a construção de indicadores sobre impactos sociais.

    Assim, neste artigo, os autores abraçam o desafio de complementar as “Doze Premissas” apontadas por Calderón (2008), refletindo sobre “Mais Oito” que consideram importantes para a construção e o aprimoramento de uma política institucional das IES, principalmente do setor privado. Nesse sentido, este trabalho resulta da ampla vivência do primeiro autor, como pesquisador e bolsista de Produtividade em Pesquisa com estudos sobre o ensino superior privado, e da ampla experiência obtida na condição de pró-reitora de extensão universitária de uma importante universidade do setor privado, no caso da segunda autora. “Teoria e prática; ação, reflexão, ação, para uma práxis voltada para o aprimoramento da gestão universitária”, este é o sentimento que une os autores, compromissados com o aprimoramento e a expansão do sistema de educação superior com qualidade.

    Nesse início de conversa, temos convicção de que a incorporação do conceito de Responsabilidade Social ainda enfrenta grandes desafios, apesar de estar presente entre as dez dimensões de avaliação das universidades previstas no Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes). A avaliação instituída pelo Sinaes procura estimular as IES, além da melhoria da qualidade da educação superior, na definição de suas prioridades e na efetividade acadêmica relacionada à RSES, tendo, como prevê o artigo 3º da Lei no 10.861, de 14 de abril de 2004:

    Art.3º (...) a responsabilidade social da instituição, considerada especialmente no que se refere à sua contribuição em relação à inclusão social, ao desenvolvimento econômico e social, à defesa do meio ambiente, da memória cultural, da produção artística e do patrimônio cultural (BRASIL, 2004).

    O estudo da RSES não é específico do campo da educação; notadamente, vem sendo desenvolvido em diversas áreas do conhecimento, como administração, direito, engenharia, medicina e outras áreas, principalmente depois de 2004, quando da aprovação e introdução do Sinaes (CALDERÓN, GOMES, BORGES, 2016).

    As discussões que surgiram no Brasil, na primeira metade da primeira década do século XXI, sobre a temática Responsabilidade Social atrelam-se, de certa maneira, aos movimentos de reforma do Estado, que a partir da segunda metade do século XX, apoiados pela doutrina da descentralização das políticas sociais, foram acompanhados de uma certa expectativa e da possiblidade de transferência de responsabilidade para organizações da sociedade civil. De modo geral, o Estado – visto como promotor exclusivo das políticas sociais –, pressionado por grupos e organizações transnacionais (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, Banco Mundial, Organização Mundial do Comércio), encaminhou-se para novas formas de gestão das necessidades sociais. Nas organizações emergiu o debate sobre a Responsabilidade Social corporativa – o que mais tarde chega às IES.

    Esse panorama do século XX encontra a universidade no Brasil alicerçada no princípio constitucional que sustenta o tripé formado pelo ensino, pela pesquisa e pela extensão, e pelo entendimento do papel da universidade como espaço de produção e difusão de saber, contribuindo para o desenvolvimento científico, social, político, econômico e cultural. Nessa tarefa, a universidade encontra-se sob o paradigma de um mundo globalizado, centrado no conhecimento, ganhando consenso o entendimento de que o conhecimento produzido na universidade por meio da investigação e difundido no tecido social a partir de atividades de ensino e de extensão configura-se como um dos principais compromissos da universidade com a sociedade (GEORGEN, 2006).

    Parece-nos que o legado do movimento de 1918, em Córdoba, Argentina, que enfatizava a importância de se manter uma relação intrínseca entre a universidade e a sociedade, em que caberia à função da extensão universitária uma preocupação com os problemas nacionais, permaneceu consubstanciada em diferentes projetos nas IES, marcados pelo idealismo de alguns docentes e discentes. A extensão universitária conclamou para si o entendimento de que a universidade deveria se comprometer socialmente; contudo, de modo restritivo, por vezes foi implementada quase que exclusivamente pela oferta de cursos de extensão, pela organização de eventos acadêmicos e, em alguns casos, nas universidades “filantrópicas”, pela promoção, de forma gratuita, de serviços destinados às pessoas carentes.

    Sem recursos para o financiamento, sem uma legislação própria no âmbito do governo federal para as IES públicas e privadas, os anos 1990 marcam uma extensão que se vê premida por um lado pela crise da própria universidade e por outro pela busca por reconhecimento como instrumentalizadora da dialética teoria/prática incumbida de um trabalho interdisciplinar capaz de favorecer a visão integrada do social. Nesse cenário, cabe destacar o papel do Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras (Forproex), que desde 1987 organiza-se em defesa da institucionalização da prática extensionista e pelo corolário de significados políticos da extensão brasileira, e do Fórum de Extensão das Instituições de Ensino Superior Particulares (Forexp), que a partir de 2002 articulou o debate sobre os desafios da extensão pelos setores privados da educação superior.

    Nos primeiros anos do século XXI, Santos (2004) defendeu uma reforma democrática da universidade e sua inserção na sociedade pós-moderna em função do duplo desafio que se interpõe à universidade: há exigências cada vez maiores por parte da sociedade, ao mesmo tempo em que se tornam cada vez mais restritivas as políticas de financiamento das suas atividades por parte do Estado. Com o objetivo de prover soluções para os desafios da universidade no século XXI, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) promoveu, em 1998, a Conferência Mundial sobre Educação Superior no Século XXI: visão e ação (UNESCO, 1998) e, em 2009, a Conferência Mundial sobre o Ensino Superior 2009: as novas dinâmicas do Ensino Superior e pesquisas para a mudança e o desenvolvimento social” (UNESCO, 2009). O documento de 2009 enfatiza os desafios e as dificuldades que permeiam o desenvolvimento da educação superior, entre eles: o financiamento; a igualdade de condições de ingresso e permanência nos estudos; o desenvolvimento e a manutenção da qualidade do ensino, pesquisa e serviços de extensão; a relevância dos programas oferecidos e a empregabilidade de formandos e egressos. A declaração considerou que a tecnologia – que modifica os modos de produção, administração, difusão, acesso e controle do conhecimento – desafia a educação superior.

    A introdução, em 2004, do conceito de RSES no âmbito normativo por meio do Sinaes, na condição de uma das dez dimensões da avaliação institucional, mobilizou as instituições de educação superior para entender seu significado e atender a suas exigências, poucos esclarecidas pelo próprio governo.

    Concomitantemente a essa dimensão legal, estudos mostram a coexistência de vários entendimentos do que seria a RSES – a mesma que na literatura é abordada a partir de diversos ângulos: a) tradição universitária; b) tendência do mercado; c) normatização estatal; d) estratégia de gestão das organizações; e) valores para o desenvolvimento humano; e f) projetos sociais extensionistas (CALDERÓN, PEDRO, VARGAS, 2011).

    A compreensão da RSES no contexto do Sinaes despertou a curiosidade científica de pesquisadores que produziram dissertações de mestrado acadêmico ou profissional e teses de doutorados; somente entre 2005 e 2011 foram produzidos 38 estudos, sendo que mais da metade deles estavam preocupados em compreender a relação entre a RSES e a gestão universitária, focalizando tanto a questão da gestão universitária e a formação humana quanto as relações entre gestão universitária e desempenho institucional no mercado educacional, de maneira semelhante ao mundo empresarial corporativo. Da totalidade desses estudos, um quarto, aproximadamente, se preocupavam em compreender os aspectos conceituais e normativos com foco predominante no setor privado, enfatizando: a RSES no contexto do Sinaes; a RSES no contexto do setor privado; e a RSES e sua relação com a extensão universitária. O quarto dos estudos restantes focou sua preocupação teórica com a compreensão da relação entre RSES e a formação universitária voltada para a consciência do aluno sobre seu papel na sociedade e o encaminhamento de ações criativas para a transformação da realidade, analisando experiências concretas em diversos cursos de graduação.

    Conforme apontam Martí-Noguera, Calderón e Fernandez-Godenzi (2018), a partir da sistematização da literatura, a operacionalização do Sinaes apresentou uma série de fragilidades e potencialidades. As fragilidades geraram ações questionáveis nas IES do setor privado, totalmente desfocadas das atribuições de sua missão.

    A principal fragilidade é a ausência de uma concepção clara e objetiva, em termos de operacionalização, do que se entenderia por RSES e de quais seriam seus critérios de avaliação. A única orientação governamental estava centrada no artigo 3º da Lei do Sinaes, anteriormente mencionada, na qual se vincula a RSES com “a contribuição em relação à inclusão social, ao desenvolvimento econômico e social, à defesa do meio ambiente, da memória cultural, da produção artística e do patrimônio cultural” (BRASIL, 2004). Essa explicitação conceitual somente foi corrigida oito anos depois, em 2012, quando o governo brasileiro lançou um glossário no qual explicita seu entendimento do que seria a RSES. Na medida em que a lei não explicita que essas contribuições seriam decorrentes das atividades de ensino, pesquisa e extensão, muitas IES do setor privado passaram a criar departamentos de RSES, à semelhança das organizações empresariais, passando a implementar ações como se fossem ONGs dentro da própria IES, ou como se fossem uma empresa que passa a apoiar ONGs, no campo da assistência, muitas vezes de forma totalmente desconexa das atividades de ensino e de pesquisa.

    Uma segunda fragilidade apontada pelos autores, também decorrente da falta de clareza do que seria a RSES, é o fato de ter induzido a uma confusão entre RSES e Extensão Universitária, na medida em que os aspectos abordados na lei como sendo RSES dizem respeito, em certa forma, às atividades extensionistas.

    Uma terceira fragilidade – talvez a mais grave – é o fato de que a Lei do Sinaes acabou gerando a impressão de que contribuir em relação à inclusão social, ao desenvolvimento econômico e social, à defesa do meio ambiente, da memória cultural, da produção artística e do patrimônio cultural seria a finalidade da universidade, deixando-se de lado o fato de ser uma decorrência de suas principais atribuições, que seriam a geração do conhecimento e a formação profissional por meio do ensino, pesquisa e extensão.

    Entretanto, apesar dessas fragilidades, os autores apontam algumas importantes potencialidades, em termos de consequências não previstas. A normatização da RSES representou um avanço para o fortalecimento da dimensão pública das IES com fins lucrativos, uma vez que despertou uma corrente para a implementação e o fortalecimento de estruturas voltadas para a implantação de projetos dirigidos à comunidade, potencializando-se a extensão universitária e colocando-se nas agendas institucionais as reflexões sobre a RSES. A essa potencialidade soma-se outra – que particularmente acreditamos ser a mais importante –: a obrigatoriedade da RSES tornou-se um imperativo para todas as IES que compõem o Sistema Federal de Ensino Superior, independentemente do tipo de instituição, porte ou natureza administrativa. Essa iniciativa ganha relevância uma vez que a extensão universitária é uma atividade obrigatória somente para as Universidades e não para os Centros Universitários ou Faculdades. Desse modo, com o Sinaes todas as IES do país passam a ter que demonstrar sua Responsabilidade Social.

    Aos reler as “Doze Premissas” (CALDERÓN, 2008), podemos afirmar sua vigência e sua atualidade. Nesse sentido, concordamos quando o autor destaca, entre outras premissas mencionadas:

    1. o fato de a RSES se traduzir no esforço contínuo e permanente para que as IES cumpram sua missão institucional, sustentada no desenvolvimento de ações e nos serviços que possuem, na sua essência, uma função pública não estatal;
    2. no Brasil, a maioria de IES do país e do setor privado são empreendimentos educacionais com a missão de se tornarem espaços de formação e capacitação dos recursos humanos necessários para o desenvolvimento brasileiro. Assim sendo, a RSES diz respeito à garantia da boa qualidade de ensino para os cidadãos que buscam sua formação na graduação e/ou na pós-graduação;
    3. não há atrito entre a RSES e a extensão universitária, pois a primeira, com o termo compromisso social, diz respeito às discussões sobre a função social das IES na sociedade brasileira. A segunda é uma das três atividades universitárias que possibilitam o cumprimento, pela Universidade, de sua função social;
    4. as IES e suas práticas acadêmicas não podem ser confundidas com as ações sociais desenvolvidas por ONGs ou entidades assistencialistas, uma vez que não faz parte da missão das IES desenvolver meros projetos assistencialistas. A missão das IES é promover competências por meio do desenvolvimento de produtos e serviços de natureza educacional. Os projetos de intervenção social constituem atividades acadêmicas, espaços de aprendizagem por excelência para colocar em prática os quatro pilares da educação proclamados pela Unesco, ou seja, não somente aprender a fazer, mas também “aprender a viver juntos” e “aprender a ser”;
    5. a RSES não deve se restringir a um único departamento ou setor dentro da estrutura das IES, uma vez que diz respeito a valores que perpassam toda a estrutura universitária, sendo que isso não impedirá a existência de um departamento que articule e monitore os esforços institucionais; e
    6. falar da RSES significa fazer referências a princípios e valores direcionados ao desenvolvimento humano condensados nos projetos pedagógicos e nas diretrizes institucionais. Tais princípios podem ser subdivididos em três âmbitos: pessoal (dignidade das pessoas, integridade, inclusão, multidiversidade etc.); social (equidade social, sustentabilidade, diversidade, solidariedade etc.); universitário (excelência acadêmica, compromisso com a verdade, interdependência e transdisciplinaridade).

    A atualização das “Doze Premissas” (CALDERÓN, 2008) leva-nos a apontar um conjunto de novas premissas pensando em auxiliar nas discussões dos gestores universitários preocupados com a implementação e/ou o fortalecimento de uma política institucional de RSES:

    Premissa nº 1
    Diferentemente da Lei do Sinaes, de 2004, somente em 2012 o governo brasileiro deu maior concretude ao termo Responsabilidade Social, o mesmo que “se refere às ações da instituição (com ou sem parceria) que contribuem para uma sociedade mais justa e sustentável. Nesse sentido, deverão ser verificados trabalhos, ações, atividades, projetos e programas desenvolvidos com e para a comunidade, objetivando a inclusão social, o desenvolvimento econômico, a melhoria da qualidade de vida, da infraestrutura urbana/local e a inovação social” (BRASIL, 2014, p. 35). Trata-se de um entendimento que deveria nortear a ação das IES, com destaque para dois aspectos presentes no referido documento: a RSES envolve “ações da instituição com ou sem parceria” e, principalmente, envolve um conjunto de ações “com e para a comunidade”. Repare-se que, além da vinculação existente na Lei do Sinaes entre RSES e suas contribuições para 1) inclusão social, 2) desenvolvimento econômico e social, 3) defesa do meio ambiente, 4) memória cultural, 5) produção artística e 6) patrimônio cultural, o novo documento enfatiza outras áreas, como 7) melhoria da qualidade de vida, 8) infraestrutura urbana/local e 9) inovação social.

    Premissa nº 2
    Para que as IES ganhem legitimidade junto à comunidade que a financia, é importante a transparência de informações na forma de devolutiva à sociedade, com indicadores de desempenho explícitos. Vivemos em tempos de accountability, nos quais alunos e parceiros em potencial querem obter informações, saber sobre com quem estão dialogando. Além disso, o próprio planejamento e a tomada de decisões exigem cada vez mais indicadores de desempenho para nortear ações e aprimorar-se. Nesse sentido, convém destacar o papel estratégico que tem a construção de indicadores que permitam dimensionar o trabalho realizado. Para tanto, é importante construir com o conhecimento produzido sobre indicadores pelas universidades, organizações multilaterais, governos; como exemplo citamos o estudo de Nascimento et al. (2015), que, a partir de sua tese de doutorado, constrói indicadores objetivos para monitorar cada uma das áreas contempladas pelo governo no que tange à RSES. Como exemplo, podemos citar uma das áreas contempladas na RSES, como a inclusão social. No quadro no 1, o autor em questão criou o que chama de oito subcritérios e 16 atributos passíveis de serem mensurados; entre eles, destaca-se: no subcritério comunicação e visualização, o monitoramento do atributo, sinalização tática e visual; no subcritério acessibilidade a edificação, destacam-se como atributos monitorar as vias de acesso ao prédio, ao andar térreo e aos andares superiores; no subcritério ergonomia adequada, destacam-se os atributos cadeiras específicas para pessoas com deficiência, e mesas e superfícies para o desenvolvimento de atividades dessas pessoas. Assim, o autor criou um conjunto de indicadores em todas as áreas contempladas no Sinaes no tocante à RSES, incluindo mais uma área: defesa da produção esportiva e saúde.

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    Premissa nº 3
    Se a RSES, desta vez normatizada pelo governo, diz respeito à função social da universidade, o tripé (ensino, pesquisa e extensão) – isto é, as três funções da universidade – é o meio pelo qual as IES contribuem com o desenvolvimento da sociedade que as financia. Considerando que a grande maioria das IES brasileiras são vocacionadas para a atividade do ensino, a contínua procura pela excelência acadêmica deveria ser o norte para o cumprimento de sua RSES. Nesse sentido, a procura de estratégias de melhoria da aprendizagem dos alunos; o aprimoramento dos mecanismos de avaliação da aprendizagem e da atuação docente; a contínua atualização dos projetos pedagógicos; o estímulo ao protagonismo dos alunos; o diálogo contínuo com os empregadores; a incorporação de valores voltados para a construção de uma cidadania planetária, contemplando diretrizes nacionais e orientações internacionais, devem ser práticas contínuas na gestão acadêmica. Dentro desse processo, o monitoramento via indicadores é uma estratégia de aprimoramento que cada vez mais ganha importância na gestão dos diversos cursos e serviços oferecidos pelas universidades. Rankings, índices e tabelas classificatórias, promovidas pela própria IES ou por agentes externos, poder público ou setor privado – como IGC, Enade, Ranking Universitário Folha e Guia do Estudante –, podem ser importantes ferramentas para o monitoramento do desempenho institucional e para a implementação de estratégias de aprimoramento via benchmarking, bem como para mostrar à sociedade, em termos de accountability, a qualidade dos serviços ofertados e, portanto, da RSES.

    Premissa nº 4
    Para as IES do setor privado, a captação de alunos é uma preocupação permanente para garantir a saúde financeira – e, por consequência, a viabilização dos empreendimentos educacionais – e dar concretude à sua Responsabilidade Social. A competição no mercado educacional assume diversos matizes, dependendo das características dos mercados, de suas dimensões e dos atores. Se por um lado a expansão dos grupos empresariais reconfigurou e vem configurando a geopolítica da concorrência, por outro, a liberalização da expansão dos cursos via EAD e a ampliação da cargas horárias não presenciais assumem hoje o papel dinamizador de uma nova forma de oferecimento de cursos em termos de estratégias de aprendizagem, custos operacionais e modificação da forma de realização do trabalho docente, colocando em xeque o contínuo equacionamento de custos e qualidade, de acordo com o nicho de mercado no qual a IES está inserida. Se tradicionalmente, em contexto de mercados, o tom da atuação institucional é a competição entre IES, vêm surgindo novas práticas e experiências denominadas coopeticion – ou coopetição – entre IES (DAL-SOTO, MONTICELLI, 2017) – muitas delas entre as próprias concorrentes – para atingir os objetivos institucionais em termos de compartilhamento de boas práticas acadêmicas, bem como de aquisição de bens e serviços educacionais. De acordo com os autores citados, a dicotomia entre competição e cooperação não atende mais às relações interorganizacionais. A coopeticion ou coopetição evidencia relações paradoxais nas quais as IES competem e cooperam simultaneamente em diferentes áreas e sob diferentes níveis de interação.

    Premissa nº 5
    Ao compreendermos a extensão universitária como dimensão do trabalho desenvolvido pela academia no ensino e na pesquisa, na formação de recursos humanos e na produção e divulgação do conhecimento produzido, cabe considerar seu caráter intrínseco ao currículo do aluno. A curricularização da extensão pode ser entendida como um reconhecimento da inclusão curricular das práticas e dos estudos advindos da extensão universitária, dada sua capacidade de diálogo interdisciplinar forjada em atividades naturalmente articuladas de investigação e ensino-aprendizagem no ato educativo, estão evidentes na formação integral dos estudantes. O caráter de uma função integradora das demais funções de pesquisa e ensino implica não tão somente em atribuir-lhes créditos ou carga horária num plano de estudos, mas pressupõe incorporar a extensão ao conjunto de disciplinas e/ou atividades previstas num currículo – seja como parte de integração das funções de ensino e pesquisa, seja como forma de oferecer uma formação mais conectada com a realidade complexa e as problemáticas sociais. A curricularização da extensão pode promover abordagens mais criativas de compressão e transformação do próprio currículo e o refinamento do compromisso ético-político dos atores nas IES. O grande diferencial de uma instituição que exerce a Responsabilidade Social e que redefiniu sua proposta de currículo numa sociedade complexa é a capacidade de os projetos político-pedagógicos não estarem focados simplesmente nas estratégias utilizadas junto à comunidade do seu entorno, mas, de modo crítico e reflexivo, repensarem o conceito de educação em seu projeto institucional e os princípios que devem reger a formação humana com respeito à liberdade, à solidariedade, à sustentabilidade planetária e ao exercício corresponsável da vivência. A curricularização da extensão impõe às IES investigar e valorizar o que realizam, de modo a redimensionar os processos e as formas assumidas como trabalho pedagógico em função de abordagens interdisciplinares e da construção de conhecimento participativo, revendo o que se deflagra pelas demandas que recebem, bem como tendo como fundamento de processos de validação e elaboração de conhecimento científico os processos de ensinar. Diversidade, flexibilidade e articulação imprimem um novo sentido ao currículo na formação superior.

    Premissa nº 6
    A Responsabilidade Social no ensino superior deve estar em tudo que cerca a vida do estudante nas IES. Entendida também pelo restabelecimento da dignidade e do compromisso de uns com os outros, a RSES expressa seu papel ativo no engajamento civil e na participação cidadã. Estamos diante de um declínio do engajamento civil e da participação cidadã nos assuntos de interesse geral – o que reivindica a necessidade de proporcionar um valor social à formação no nível superior em relação ao mundo real. Ao compreendermos como expressão da formação cívica e como atuação responsável na comunidade (Jacoby, 2009, apud Santos Rego, 2013, p. 571) é preciso refletir sobre as formas como expressamos a RSES. A atuação episódica, fortuita e desatrelada de um rigoroso entendimento científico dos problemas sociais deve ser superada nos espaços de atuação, tendo em tela o risco que se assume também ao adotar posturas alicerçadas em pensamentos equivocados sobre a redenção da sociedade. Compreende-se que para a formação para o compromisso cívico é preciso cuidar com esmero da forma como as instituições se conectam com as demais organizações – instituições públicas, empresas, terceiro setor – em função do seu desenvolvimento. A adoção de uma postura de participação cidadã e cívica reconfigura a construção de inciativas – programas e projetos – com uma perspectiva de prazo mais longo, reconhecendo a prevalência dos enfoques metodológicos a serem adotados, e da avaliação de seus efeitos. Por outro lado, é preciso promover no âmbito das IES espaços e condições favorecedoras para que o estudante seja fortalecido nos seus próprios ideais e opiniões, sendo capaz de promover a leitura da realidade do mundo e nele engajar-se socialmente de forma comprometida e crítica.

    Premissa nº 7
    A Responsabilidade Social do ensino superior beneficia tanto às organizações quanto ao entorno social no qual elas se inserem, sendo viabilizada pelos atores da universidade. Numa perspectiva crítica de reflexão sobre os processos científicos-metodológicos necessários e de abordagem participativa que se requer, é preciso não se descurar da formação dos docentes. A tradição universitária, infelizmente, preparou os quadros docentes para o trabalho independente. Do funcionamento das disciplinas de modo autônomo ao recorte nos processos de investigação, não se tem privilegiado a formação mais colaborativa e interdependente dos professores para uma atuação conjunta. Entendemos que as próprias atividades de RSES são, por si só, situações formativas complexas, tanto pelos conflitos inerentes à natureza das intervenções como pelos compromisso e ideários que anunciam – o que supõe novo perfil docente. Superar o isolamento docente passa a ser compreendido como desafio para uma educação que se move para perceber a complexidade existente na vida cotidiana, na medida em que a RSES concretamente nos remete a práticas éticas elaboradas em espaços de colaboração, integração, postura multiprofissional e pensamento interdisciplinar. A contínua busca da excelência no âmbito da RS reafirma a imperiosa necessidade de valorizar o trabalho docente colaborativo. Um caminho seguro para as IES será a formação alicerçada em políticas de valorização dos docentes, nas quais sejam estimulados a rever suas posturas sobre ensinar e aprender em contextos de valorização do bem comum, do desenvolvimento sustentável e da dignidade humana.

    Premissa nº 8
    A Responsabilidade Social do ensino superior beneficia tanto às organizações quanto ao entorno social no qual elas se inserem, sendo viabilizada pelos atores da universidade. Numa perspectiva crítica de reflexão sobre os processos científicos-metodológicos necessários e de abordagem participativa que se requer, é preciso não se descurar da formação dos docentes. A tradição universitária, infelizmente, preparou os quadros docentes para o trabalho independente. Do funcionamento das disciplinas de modo autônomo ao recorte nos processos de investigação, não se tem privilegiado a formação mais colaborativa e interdependente dos professores para uma atuação conjunta. Entendemos que as próprias atividades de RSES são, por si só, situações formativas complexas, tanto pelos conflitos inerentes à natureza das intervenções como pelos compromisso e ideários que anunciam – o que supõe novo perfil docente. Superar o isolamento docente passa a ser compreendido como desafio para uma educação que se move para perceber a complexidade existente na vida cotidiana, na medida em que a RSES concretamente nos remete a práticas éticas elaboradas em espaços de colaboração, integração, postura multiprofissional e pensamento interdisciplinar. A contínua busca da excelência no âmbito da RS reafirma a imperiosa necessidade de valorizar o trabalho docente colaborativo. Um caminho seguro para as IES será a formação alicerçada em políticas de valorização dos docentes, nas quais sejam estimulados a rever suas posturas sobre ensinar e aprender em contextos de valorização do bem comum, do desenvolvimento sustentável e da dignidade humana.

    Referências

    BRASIL. Presidência da República. Lei no 10.861, de 14 de abril de 2004. Institui o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior – Sinaes e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, n.72, 15 abr. 2004. Seção 1, p.3-4. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004- 2006/2004/Lei/L10.861.htm>. Acesso em: 14 mar 2019.

    CALDERON, A. I. Doze premissas para a construção de uma política institucional de Responsabilidade Social nas IES. In: Revista Responsabilidade Social, ABMES, n. 3, 2008.

    CALDERÓN, A. I.; VARGAS, M. C.; PEDRO, R. F. Responsabilidade Social da Educação Superior: a metamorfose do discurso da Unesco em foco. Interface (Botucatu. Impresso), v. 15, p. 1185-1198, 2011.

    CALDERÓN, A. I.; GOMES, C. F.; BORGES, R. M.. Responsabilidade Social da Educação Superior: mapeamento e tendências temáticas da produção científica brasileira (1990-2011). In: Revista Brasileira de Educação, v. 21, p. 653-679, 2016.

    DAL-SOTO, F.; MONTICELLI, J. M. Coopetition strategies in the brazilian higher education. In: Revista de Administração de Empresas, São Paulo, v. 57, n. 1, p. 65-78, 2017.

    Georgen, P. (2006). Universidade e compromisso social. In: Dilvo Ristoff & Palmira Sevegnan (Org.). Educação superior em debate: universidade e compromisso social (pp. 65-95). Brasília: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira.

    NASCIMENTO, J. M. L. do, et al. Metodologia para avaliar a Responsabilidade Social das universidades públicas. Avaliação (Campinas), Sorocaba, v. 20, n. 3, p. 685-702, Nov. 2015.

    NOGUERA, J. J. M.; CALDERON, A. I.; FERNANDEZ-GODENZI, A. La responsabilidad social universitaria en Iberoamérica: análisis de las legislaciones de Brasil, España y Perú. In: Revista Iberoamericana de Educación Superior, v. IX, p. 107-124, 2018.

    SANTOS REGO, M. Á. ¿Para cuándo las universidades en la agenda de una democracia fuerte? Educacion, aprendizaje y compromiso cívico en Norteamérica. In: Revista de Educación, 361. Mayoagosto 2013, p. 565-590.

    SANTOS , B. de S. A Universidade no século XXI. São Paulo: Cortez Editora; 2004.

    UNESCO. Conferência Mundial sobre Ensino Superior 2009. As novas dinâmicas do Ensino Superior e pesquisas para a mudança e o desenvolvimento social. Comunicado. Paris, UNESCO, 2009.

    UNESCO. Declaração Mundial sobre Educação Superior no Século XXI: Visão e Ação. Paris: Unesco, 1998.

    [1]Pós-doutor em Ciências da Educação na Universidade de Coimbra e doutor em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Professor titular do Programa de Pós-Graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas). Pesquisador do CNPq (Bolsista Produtividade). Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo..

    [2] Pós-doutora em Educação na Universidade de São Paulo (USP) e doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Professora adjunta do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Estácio de Sá (UNESA). Presidente do Fórum de Extensão das IES Particulares (Forexp). Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo..

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